data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom
Para o brasileiro médio que se preocupa (e com razão) em garantir o pão na mesa e quitar as contas do mês, a decisão do STF de que um condenado somente pode ser preso após o chamado trânsito em julgado (que é o fim do prazo recursal), pode não ser algo assim tão impactante e determinante como se tem dito por aí. Mas a verdade é que é muito mais do que se pode imaginar.
Trata-se de uma vitória do establishment, que sempre deu as regras do jogo no Brasil, desde o período colonial até os dias atuais. Iludem-se aqueles que, porventura, pensem que, por exemplo, no período da ditadura militar (1964-1985), o establishment - que nada mais é do que a banda podre de políticos corruptos, partidos políticos, empresários inescrupulosos (com licitações combinadas e superfaturadas), o corporativismo institucional e sempre com a ajuda de braços de parte de uma mídia amestrada - foi deixado de lado.
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Pior ainda é quem pensa - seja por ingenuidade ou burrice - que o establishment seja algo da direita ou da esquerda. Ambos se beneficiam. Para isso, basta estarem no poder. E, no limbo disso tudo, estamos todos nós: brasileiros comuns que sofrem com a relação perniciosa entre o público e o privado. Esquerda e direita, desde a redemocratização, se alternam como podem (e o fazem bem) em ceifar novas lideranças.
Mas o foco aqui é falar do que o Supremo fez para com a nação em votação na última quinta-feira. Ao derrubar a execução de pena, após julgamento em segunda instância, o STF referenda e valida o poderio financeiro. Ou seja, quem tem dinheiro - políticos corruptos, criminosos (do sistema financeiro) e bandidos ligados ao crime organizado (narcotráfico e derivados) - seguirá apresentando recurso em cima de recursos, embargo após embargo e, assim, permanecerá solto. Até que, ao fim das contas, em um futuro longínquo, tenham o que tanto almejam: a prescrição das ilicitudes cometidas.
O STF ao alterar a jurisprudência que vinha permitindo a prisão após condenação em segunda instância, o que ocorria desde 2016, reforça a vocação mais genuína e marcante do Brasil: a da desigualdade. Seguiremos, mesmo com as lições da Lava-Jato - entre erros e acertos e que colocou criminosos do colarinho-branco atrás das grades -, sendo uma nação em que o pobre é algemado, preso e esquecido dentro de uma cela. Enquanto que ricos e poderosos seguirão soltos sempre com o respaldo das bancas mais caras de advogados, que sabem se valer de infindáveis recursos protelatórios.
Um dos mais contumazes críticos à coroa portuguesa, na época do Brasil colônia, o padre José de Anchieta disse, certa vez, em um sermão que "a soberba só compra o inferno". Mas, no Brasil do século 21, a soberba, de que infringe a lei, aliada ao poderio financeiro também compra a liberdade. E isso, agora, com o respaldo da mais alta corte do país.